Uma homenagem ao meu poeta preferido:
RUBEM ALVES
Um ser que amou, que rezou, que encantou com seus contos como os passarinhos encantam com seu canto e
que sempre contou histórias como o vovô que já sábio abre as asas do pensamento.
EU MAIOR - entrevista com Rubem Alves
Um desejo:
Rubem Alves entregou uma carta de 10 páginas aos filhos para
descrever como gostaria que fosse a cerimônia de morte dele, revelou Raquel
Alves, filha do escritor.
No texto, ele pediu
para ser cremado e ter as cinzas jogadas embaixo de um ipê amarelo enquanto são
lidos textos de seus poetas preferidos, como Cecília Meireles e Fernando
Pessoa.
Os Ipês-amarelos por Rubem Alves
Uma professora me contou esta coisa deliciosa. Um inspetor visitava uma
escola. Numa sala ele viu, colados nas paredes, trabalhos dos alunos acerca de
alguns dos meus livros infantis. Como que num desafio, ele perguntou à
criançada: "E quem é Rubem Alves?". Um menininho respondeu: "O
Rubem Alves é um homem que gosta de ipês-amarelos...". A resposta do
menininho me deu grande felicidade. Ele sabia das coisas. As pessoas são aquilo
que elas amam.
Mas o menininho não sabia que sou um homem de muitos amores... Amo os
ipês, mas amo também caminhar sozinho. Muitas pessoas levam seus cães a
passear. Eu levo meus olhos a passear. E como eles gostam! Encantam-se com
tudo. Para eles o mundo é assombroso. Gosto também de banho de cachoeira (no
verão...), da sensação do vento na cara, do barulho das folhas dos eucaliptos,
do cheiro das magnólias, de música clássica, de canto gregoriano, do som
metálico da viola, de poesia, de olhar as estrelas, de cachorro, das pinturas
de Vermeer (o pintor do filme "Moça com Brinco de Pérola"), de Monet,
de Dali, de Carl Larsson, do repicar de sinos, das catedrais góticas, de
jardins, da comida mineira, de conversar à volta da lareira.
Diz Alberto Caeiro que o mundo é para ser visto, e não para pensarmos
nele. Nos poemas bíblicos da criação está relatado que Deus, ao fim de cada dia
de trabalho, sorria ao contemplar o mundo que estava criando: tudo era muito
bonito. Os olhos são a porta pela qual a beleza entra na alma. Meus olhos se
espantam com tudo que veem.
Sou místico. Ao contrário dos místicos religiosos que fecham os olhos
para verem Deus, a Virgem e os anjos, eu abro bem os meus olhos para ver as
frutas e legumes nas bancas das feiras. Cada fruta é um assombro, um milagre.
Uma cebola é um milagre. Tanto assim que Neruda escreveu uma ode em seu louvor:
"Rosa de água com escamas de cristal...".
Vejo e quero que os outros vejam comigo. Por isso escrevo. Faço
fotografias com palavras. Diferentes dos filmes, que exigem tempo para serem
vistos, as fotografias são instantâneas. Minhas crônicas são fotografias.
Escrevo para fazer ver.
Uma das minhas alegrias são os e-mails que recebo de pessoas que me
confessam haver aprendido o gozo da leitura lendo os textos que escrevo. Os
adolescentes que parariam desanimados diante de um livro de 200 páginas
sentem-se atraídos por um texto pequeno de apenas três páginas. O que escrevo
são como aperitivos. Na literatura, frequentemente, o curto é muito maior que o
comprido. Há poemas que contêm todo um universo.
Mas escrevo também com uma intenção gastronômica. Quero que meus textos
sejam comidos pelos leitores. Mais do que isso: quero que eles sejam comidos de
forma prazerosa. Um texto que dá prazer é degustado vagarosamente. São esses os
textos que se transformam em carne e sangue, como acontece na eucaristia.
Sei que não me resta muito tempo. Já é crepúsculo.
Não tenho medo da morte. O que sinto, na verdade, é tristeza.
O mundo é muito
bonito! Gostaria de ficar por aqui...
Escrever é o meu jeito de ficar por aqui.
Cada texto é
uma semente.
Depois que eu for, elas ficarão. Quem sabe se
transformarão em árvores! Torço para que sejam
ipês-amarelos.
Gratidão
Ana Maria MS
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